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  • Joeverton Viturino Pontes da Silva

A vinda de Taylor Swift pode mudar a legislação brasileira — explicamos o porquê


Montagem com imagem de Taylor Swift na The Eras Tour segurando um coquetel molotov.

A turnê da cantora norte-americana Taylor Swift tem lotado estádios por onde passa. Após a polêmica disputa judicial contra sua antiga gravadora, visando reaver o direito sobre seus primeiros álbuns, ela conseguiu furar a bolha de fãs mais antigos, alcançando novos patamares de sucesso em vendas e streaming.

Fãs da Taylor Swift ouvindo que os ingressos estavam esgotados. (Imagem da internet.)

No Brasil, o cenário é igualmente bem-sucedido, sendo os ingressos de sua turnê The Eras Tour um dos mais disputados dos últimos tempos. Em São Paulo-SP, por exemplo, a venda presencial de ingressos ocorreu na bilheteria do estádio Allianz Parque, onde também deverão ocorrer os shows na cidade. Ocorre que, dias antes do início das vendas, diversos cambistas se instalaram em frente ao estabelecimento; de modo que, pouco depois do início das vendas, os bilhetes se esgotaram e passaram a ser revendidos pelos cambistas a preços exorbitantes.

Fila da venda dos ingressos no Allianz Parque (19/06) — Foto: G1.

A situação causou revolta nos fãs, conhecidos como swifties, muitos dos quais também passaram dias aguardando o início das vendas; iniciando-se uma campanha, nas ruas e nas redes, por uma atuação coercitiva do Estado. O Procon-SP e a Polícia Civil local fizeram uma operação de fiscalização de vendas, onde 300 pessoas foram abordadas e 25 foram detidas. Como diria Taylor Swift, Karma is my boyfriend.


O cambismo no Brasil


A situação do Allianz Parque não foi exceção: para os outros shows da turnê, os ingressos também acabaram nos meios oficiais, e vinham sendo revendidos, digital e fisicamente, a valores cinco vezes maiores, em média, que o valor original.


A prática de cambismo é prevista como crime na Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597/23), que nos diz que:

Imagem da internet.
Art. 166. Vender ou portar para venda ingressos de evento esportivo, por preço superior ao estampado no bilhete:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

A dificuldade está na especificidade da lei, que tipifica a revenda de ingressos para eventos esportivos, apenas; não falando nada sobre eventos artísticos, culturais e outros. A princípio, portanto, a Lei Geral não regula situações como a da turnê.


O Getaway Car, a válvula de escape usada pelo judiciário tem sido a conhecida Lei dos Crimes contra a Economia Popular (Lei n. 1.521/51), em seu art. 2°, IX:

Art. 2º. São crimes [contra a economia popular]: ...
IX - obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos ("bola de neve", "cadeias", "pichardismo" e quaisquer outros equivalentes);

Ainda assim, como normalmente são as leis que tratam genericamente de qualquer problema, a Lei n. 1.521/51 aplica-se com dificuldade aos casos de cambismo, facilitando a impunidade.

Imagem da internet.

Por exemplo, na Apelação Criminal n. 0064158-37.2015.8.19.0001, que tramitou no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em que o apelante se defendia da condenação pela prática de cambismo, seu pedido foi julgado procedente pelo simples fato de saber-se que sua ação envolvia um número líquido de ingressos; sendo que a Lei dos Crimes contra a Economia Popular tipifica os ganhos em detrimento de número indeterminado de pessoas; confira:

Apelante condenado por suposta infração ao artigo 2º, inciso IX da lei 1521/51 (Lei da Economia Popular), por tentar vender 14 ingressos de cortesia do Desfile de Escolas de Samba das Campeães. Imputação literal da conduta de especulação contra número indeterminado de pessoas. Atipicidade da conduta, já que há a limitação da venda para 14 indivíduos. [...] (TJ-RJ - APR: 00641583720158190001 20207005223981, Relator: Juiz(a) ROSANA NAVEGA CHAGAS, Data de Julgamento: 24/09/2020, CAPITAL 2a. TURMA RECURSAL DOS JUI ESP CRIMINAIS, Data de Publicação: 30/09/2020.)

“Lei Taylor Swift”


Alguns Projetos de Lei (PL) já foram propostos no intuito de coibir o cambismo para além do cenário esportivo. O PL n. 3.755/2008, por exemplo, do então deputado Deley (PSC-RJ), previa como crime contra a economia popular “a venda de ingressos de competições esportivas, audições musicais, apresentações teatrais ou quaisquer outros eventos de diversão e lazer por preços superiores aos fixados pelas entidades promotoras do evento”. O projeto tramitou por anos no Congresso Nacional, sendo arquivado diversas vezes por conta da demora em sua tramitação. Em 2019, ele foi arquivado pela última vez, permanecendo assim desde então.

O projeto de lei esperando se tornar lei. (Imagem da internet.)

Há também o PL n. 2.942/22, que propõe limitar a quantidade de bilhetes disponíveis para compra por indivíduo, sendo quatro por CPF e doze por CNPJ para cada evento.


Também temos o PL n. 3.145/23, que propõe que a alienação de ingressos seja feita numa relação pessoa jurídica diretamente ao consumidor, tornando proibida a revenda por valor superior ao oficial. Ainda indica o dever de haver divulgação da posição do comprador na fila para compra do ingresso; limitando a venda para um mesmo CNPJ ou CPF, além de uma clareza maior quanto a política de reembolso, que deverá estar disponível já no site da compra.


De todo modo, o assunto vinha em baixa no cenário político. E é aqui que entra a relevância da chegada de Taylor Swift: a mobilização dos swifties contra a revenda abusiva dos ingressos atraiu novamente a atenção da mídia e do Legislativo para o cambismo. Desse modo, proposto pela Deputada Federal Simone Marquetto (MDB-SP), nasceu o PL n. 3.120/23, que vem se notabilizando como a “Lei Taylor Swift”.

Internauta comenta a importância da participação dos swifties nesse evento canônico. (Imagem da internet.)

Da mesma forma que o PL n. 3.755/2008, projeto define como crime contra a economia popular o cambismo em eventos esportivos, audições musicais, apresentações teatrais ou quaisquer outros eventos de diversão e lazer. Esse projeto de lei — que, assim como o PL n. 3.145/23, hoje tramita em apenso ao PL n. 3.115/23 — teve seu pedido de regime de urgência deferido pela Câmara dos Deputados, algo que nunca chegou a acontecer com o PL n. 3.755/08.

Imagem da internet.

Dear Reader, a maior atenção do legislador com o cambismo no cenário artístico-cultural é uma vitória não apenas para os swifties, mas também para todo consumidor de serviços desta seara, que normalmente se vê vulnerável na compra e na utilização dos serviços. A “Lei Taylor Swift” ainda não entrou em vigor, mas demonstra que nosso ordenamento jurídico não será mais tolerante à prática do cambismo, considerada aqui uma violação ao Direito do Consumidor. Isso é Better than revenge.

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