Quando falamos de 300 mil mortes pela Covid-19, qual a medida de tantas perdas? E quem se responsabiliza por isso? Quem ainda se sensibiliza?
A pandemia do novo coronavírus fez aniversário no mundo, mas no Brasil a roda gira em sentido oposto: enquanto Chefes de Estado negociavam pesquisas em busca da vacina, o nosso despende meses cruciais negando a pandemia e prescrevendo placebo; presidentes endurecem medidas de isolamento a cada oscilação nas estatísticas, o nosso menospreza recomendações de autoridades médicas e sanitárias; líderes locais acentuam o valor da vida e pedem suporte no enfrentamento local, o “líder” nacional acentua o valor da economia, como se uma economia pudesse fluir ante uma sociedade enferma; Bolsonaro diz que não é responsável pelos que virarem jacaré, o povo ri — de nervoso.
Enquanto um homem, negro e pobre, morria vítima de covid no chão de uma UPA em Teresina, sem macas, sem vagas de UTI, o Brasil assistia o maior representante da nação, de quem esperaríamos atitudes assertivas, acalentadoras e propositivas, ameaçar as instituições democráticas caso o STF não acolhesse seu pedido de suspender o lockdown aplicado por alguns governadores no intuito de frear a marcha mortífera do coronavírus. Seu pedido do presidente não foi conhecido, por ausência — no bom e velho português jurídico — de capacidade postulatória. Antes faltasse, no entanto, apenas capacidade ao “presidente”. Bolsonaro carece de aptidão, de cuidado, de vontade e de gosto pela liderança; da percepção de que o papel de Presidente diz muito mais respeito a cuidar da qualidade de vida de seu povo que a conservar-se no poder. Carece de arejar sua visão de mundo, arcaica e maniqueísta, pelas ciências, humanas incluso; e perceber o quanto elas progridem e nos formam. Bolsonaro carece de sentir a dor do outro, de sentir que a morte é a pior das perdas e qualquer realidade é melhor que uma ilusão; e, quem sabe com isso, deixar de brincar com as esperanças do povo. Bolsonaro carece de humanidade.
Mas quem se importa? Quem se responsabiliza?
Acreditamos que muitas pessoas sintam as mazelas de um governo que faz do absurdo seu meio de vida. Afinal, morreram avós, pais, irmãos, tios, amigos... São tantas vidas ceifadas, tantos lares infelizes nesse imenso país! Nesse contexto, Bolsonaro é frequentemente chamado de “genocida”. A Convenção de 1948 da ONU e o Estatuto de Roma definem genocídio como atos com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. Juridicamente, talvez faltem elementos que apontem a intenção do presidente em nos levar a esse estado de coisas, que apontem serem os atropelos e as omissões voltadas para um grupo específico. Juridicamente, portanto, talvez Bolsonaro não seja de fato um genocida.
Mas isso não retira o peso da omissão e da sabotagem a medidas que, com precisão científica, inibiriam a proliferação do coronavírus; tampouco do extermínio pelo que o povo brasileiro vem passando. Extermínio, a propósito, ladeado de tais como desumanização, escravidão, tortura e canibalismo, é um Crime Contra a Humanidade, sobre o que cabem condenações igualmente gravosas.
Para este momento, entretanto, e dada a urgência destes tempos sombrios, o sujeito que ocupa o mais alto posto do Executivo Federal precisa de mais do que adjetivos: ele precisa apenas perder. Perder apoio daqueles que acreditaram numa mudança vendida às cegas; perder apoio de bancadas políticas que reconhecem o desmonte provocado pelo bolsonarismo; perder a fé daqueles que creem no amor ao próximo; perder a proteção dos órgãos e instituições que acreditam na democracia; perder o poder de gerir as nossas vidas, seja no combate à pandemia, seja nos atos em geral, atinentes à Presidência da República; e, também, perder quem ainda o defende, mas sente, tanto quanto nós, pelas vidas das tantas pessoas que se foram. Afinal, são 300 mil pessoas mortas, e nós temos um responsável.
Você se importa?
André Luiz S. da Silva é Professor de Língua e Linguística na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Pós-Graduado em Ensino de Línguas pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Mestrando em Linguística Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
Pedro Pereira de Sousa Neto é Advogado (OAB-PB 19.251) do Escritório PP Advocacia, Graduado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pela Faculdade Internacional da Paraíba (FPB)
A obra é do quadrinista Rafa Figueiredo.
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